“Ai professora! Este filme foi um desassossego!” (Paula in Filme do Desassossego)


FILME DO DESASSOSSEGO

“Ai professora! Este filme foi um desassossego!”,

foi assim a primeira reacção de uma aluna (Ensino Secundário Nocturno) ao filme… Ainda que alguns possam ter dormido, outros odiassem, outros ainda fossem indiferentes e para muitos incompreensível, o objectivo foi alcançado e a alquimia encontrada.
Letras, palavras e sensações tudo em imagens soltas e desfragmentadas, tal qual Pessoa, ele próprio. O seu Desassossego esteve presente em todo o cine-teatro e desassossegou-nos a todos. Eu ainda me sinto inebriada…
                          
“A minha vida é como se me batessem com ela.” Fernando Pessoa

“Um homem pode, se tiver a verdadeira sabedoria, gozar o espectáculo inteiro do mundo numa cadeira, sem saber ler, sem falar com alguém, só com o uso dos sentidos e a alma não saber ser triste.” (O Livro do Desassossego, FPessoa)

Hoje apeteceu-me divagar, inspirada por quem já se foi, Pessoa, o próprio...

 "Afastei-me com passos largos numa noite longa e indiscreta. Uma noite que me fez lembrar um passado presente num futuro que se estranha. A chuva batia-me na face como se fosse a primeira vez, e sabia-me bem. Aqueceu-me o corpo, selou-me a alma. O silêncio das ruas escorreitas e empedradas acompanhava-me. Um cansaço de dor fez-me aligeirar a vontade de seguir em frente, nada havia para descobrir ou para conhecer. Sei hoje que os caminhos não têm nome, só cor e cheiro… Se tivessem nome, não se chamavam caminhos, seriam outra coisa qualquer. Por isso, aproveitei cada passo, na penumbra da noite fria e lustrosa.

Sinto o que não sei e dou por mim na amurada dos sentidos, por entre a aguarela da vida, a carregar sofregamente a alma do mundo. Deste mundo que não é meu e não me pertence. Pensamentos estranhos e incógnitos perfuram a estranheza do que sou. E não sou nada. Pelo menos, não quero ser nada.

Sinto que o que não sinto me faz falta. E faz-me falta sentir isso que não sinto, para que possa sentir-me na pele do que sou, quando não sou eu que estou a sentir.

Nada faço que me traga à luz do dia. Tudo oiço, tudo vejo, tudo cheiro, nada encontro. Ente o meu Ser e o Mundo existe Tudo. E tudo é tanto e tão vago, tão sombrio e incestuoso, e ao mesmo tempo, tudo é tão distante.

Sofro uma dor que não é minha, mas também não abdico dela. Por entre as folhas caídas de um livro, encontro-me nua e perdida. Nunca estou onde estou e o cheiro que trago comigo, não é meu, mas sempre o tive. Temo que não seja muito diferente da hera, toco com todo o corpo em tudo e dificilmente abdico. Não o sei fazer, nunca me preparei para o fazer…

Quando passo por entre a multidão, sinto todas as crenças, vozes e dores dentro mim. E a multidão vai sozinha, sem alma, sem gentes. Só eu vou acompanhada com o turbilhão de pensamentos e, a alma que é deles, é minha também.

Sonho com a mesma intensidade com que vivo. Se sonho demais, não tenho a culpa, pois ensinaram-me a viver demais.

Se eu pudesse tocar no mundo, acariciava-lhe os sentidos. Despertava nele uma compaixão avassaladora pelos seres animados, não os humanos, que esses são feitos de pedra rija, mas pelos animais que, não sendo feitos de carne humana, trazem a humanidade dentro de si.

Por vezes, tenho sede de ser outro e todos ao mesmo tempo. Não ganho nada com o tempo que está parado, apenas rugas e cicatrizes do vento que o acompanha. Por isso, só quero que ele caminhe para bem longe e me deixe sossegada, neste desassossego de alma."

SChainho


                                                                    Fernado Pessoa

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