Uma viagem a outro mundo (Israel, Agosto de 2012)


Uma viagem a outro mundo
Agosto, 2012
Realizei uma viagem a outro mundo para saber como era esse outro mundo. Comigo levava expectativas, vontades, desejo de saber e ver aquilo que não sabia e que nunca tinha visto. Voltei de mãos cheias e com a alma a transbordar, vi e ouvi tudo o que havia para ver e ouvir, e chorei, como quem perde um ente querido numa sombra de angústia e desolação. Levou algum tempo para me recompor, para trazer de volta o eu que foi para lá. Percebi, mais tarde, que esse eu que foi nunca mais voltou, não mais existe...
Ouvi o que nunca deveria ser ouvido, vi o que os meus olhos nunca deveriam ter visto, uma trança de cabelo de uma criança que nunca mais cuidou dela; livros que os seus donos nunca mais desfolharam; sapatos de gente que nunca mais os calçou; roupa de quem nunca mais a vestiu; brinquedos de quem nunca mais pode brincar; sonhos que nunca se chegaram a realizar; sorrisos registados em fotografias de pessoas que nunca mais voltaram a sorrir; vagões de comboios preparados para entrar nos matadouros que transportaram gente que nunca deveria ter lá entrado; braços tatuados com números que queimam o corpo e a alma; nomes de crianças que desapareceram deixando rastos de cinza e que nunca mais me sairão da memória; depoimentos de gente que viu, sentiu e viveu os horrores dum inferno inconcebível e que hoje são os grandes testemunhos de vida e de coragem.
E o que fazer com esses dias? Que fazer com tudo o que trazia dentro de mim? Já não há volta a dar. A cicatriz é muito grande, as certezas também! Vim cheia de certezas!
A certeza de que é preciso nunca esquecer – 6 milhões de pessoas barbaramente assassinadas.
A certeza de que é preciso divulgar os seus rostos, nomes e idades. A certeza de que houve Shoá, nos seus múltiplos lados negros e que nunca mais poderá voltar! A certeza de que é preciso dar no meu mundo, uma casa, um lugar, um nome eterno a cada um que nunca deverá apagar-se…
Enquanto a minha memória perdurar, “espalharei por toda a parte, se assim me ajudar o engenho e a arte”, que em tempos houve homens, mulheres e crianças que viveram a Shoá, que grande parte desses homens, mulheres e crianças sofreram tudo o que havia para sofrer, uns resignados outros nem tanto, e que esse sofrimento deverá ficar registado em cada pedra, em cada alma, em cada mundo para que nunca mais seja esquecido. Assim como não deverá ser esquecido, o sonho de cada um e a verdade nele contida. E que nem todos esses homens, mulheres e crianças pereceram no Holocausto e por isso hoje são reflexo de amor e coragem, são raízes que cresceram e fizeram nascer vida. Por isso, a minha lembrança é amor, é cuidar, é relembrar, é enaltecer.
Vim com a certeza de que depois da morte houve vida e com a dúvida para qual nunca mais encontrarei resposta: “Como foi humanamente possível? Como?!”

Bem hajam... a todos os que me acompanharam nesta jornada.
SChainho

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