Devolve-me, por favor!

"Fui à varanda sorver a calmaria da noite e o ar adocicado que emanava do fundo da rua. Ao longe, um café antigo recebia gente estranha que entrava e saía, num permanente corrupio. Tal e qual um enfermo que se vai habituando ao hospital, por saber que já não consegue viver fora dele, eu tentava desesperadamente esquecer-me desta doença incurável e aguardava que a sorte te trouxesse até mim para que, antes do fim, pudesses devolver-me.
Entraste pelo quarto, sem bateres, e passaste a pertencer ao meu mundo. Apossaste-te dos meus sentidos e partilhaste a pureza e a verdade que havia nas sombras do presente. Transpirava em ti o amor avassalador que nunca percorremos.
Caminhaste na minha direcção. Acompanhava-te um choro copioso e demorado e assim, sem meios para te levantares, deitaste a cabeça sobre o meu peito. Uma vontade férrea esculpiu o meu rosto nos teus caminhos e a tua mão, impregnada com a tua doçura, tocou-me levemente como se não me quisesse abandonar. Limpaste sofregamente a face molhada e saíste na noite, sem deixar rasto. Naquela noite, sem saberes, levaste-me contigo… Devolve-me…
Devolve-me, por favor!"

@SChainho, In [Obra em construção... Próximo devaneio]

[Imagem retirada do Blog Frutos e Raízes]

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